sexta-feira, 8 de abril de 2011

O MAL QUE NÃO SE EXPLICA

As repercusões midiáticas sobre a chacina provocada pelo jovem Wellington Menezes, na escola municipal de Realengo, despertam mais uma vez na sociedade a pergunta: por que este rapaz cometeu este ato tão violento? Desperta? Talvez em algumas pessoas. O medo da não resposta a esta pergunta faz a maioria ignorar tal questão. Frente ao desespero e daquilo que foge totalmente dos ideais de controle e ordem, justifica-se o horror pelo estado único e delineado da monstruosidade.

Não que não seja monstruoso e assustador alguém entrar armado em uma escola e atirar aleatoriamente em dezenas de crianças. Mas, diante do medo, se aponta o dedo para a resposta mais pronta possível: Wellington era um louco, psicopata.

Enquadrado nesta característica, a vida do rapaz pode ser facilmente mapeada e a justificativa da sua loucura apazigua o desespero social. Apazigua? De certa forma, pois ter alguma resposta, mesmo com uma tristeza gigantesca, ajuda a sociedade a encaixar em um determinado lugar visível e concreto o autor desta barbárie. Só que, mesmo com o mapeamento da monstruosidade alheia, o pavor da sua invisibilidade continua a plainar no imaginário.

O que acontece? Cresce a indústria do enquadramento de tipos de sujeitos com possível desequilíbrio psicológico. Criam-se mais fórmulas para detectar o assassino sob a ideia de que ele é um outro diferente de nós. E aí, profissionais publicam seus livros com receitas prontas, sem fundamento algum. Traçam riscos de agressões inusitadas com explicações na falha da educação familiar-infantil e do comportamento da própria criança em não respeitar seus pais e brigar com irmãos. Isso quando não se fala também dos problemas fisiológicos, como má formação do cérebro.

Não há mais vergonha em se fazer, hoje, discursos vazios, ignorantes e até lombrosianos sobre o mapeamento do mal, desde que estes discursos justifiquem o acontecimento trágico inexplicável.

O enquadramento do mal vira uma obsessão, visto que, queremos o tempo todo estar protegidos dele. Tememos que o mal inunde o espaço da ordem social. Como demonstra a antropóloga Mary Douglas, é possível criar uma nova ordem em que a anomalia possa ser absorvida pela sociedade, mas existe uma questão de poder cultural que vem da autoridade da fala pública sobre a importância de manter a ordem social, que nos impede de pensar sobre essas “impurezas” para além do que já foi programado pelo senso comum. Isso fica claro no discurso de extermínio do agressor, e exaltação ao heroísmo, por exemplo, que faz o governador do Rio, Sérgio Cabral, ao chamar Wellington de animal e parabenizar, ao mesmo tempo, o policial que atirou no rapaz.

O mal que não se explica, que nos parece gratuito, tem base no vazio que marca vidas como a de Wellington. O psiquiatra e pesquisador Joel Birman conta em seu livro “Cadernos sobre o Mal” que a crueldade está ligada ao deserto afetivo e à ausência absoluta de reconhecimento dessas pessoas. É como se no mundo nada mais fizesse sentido para Wellington. Na perda de sentido, de significações possíveis, o indivíduo perde os limites e não reconhece mais as margens que o fazem viver em sociedade. Isso se chama “morte do social”, na qual a parte obscura dos sujeitos são os seus próprios vazios, suas não-significações.

No ano de 2007, um jovem sul-coreano chamado Cho-Seng-Hui dizia ser discriminado por seus colegas numa universidade nos Estados Unidos, onde estudava. Cho fez diversos vídeos ameaçadores com armas e contando toda a humilhação pela qual sofria na pele de um looser estrangeiro. Até que um dia chega a sua vingança. Ele envia os vídeos para a NBC e vai para a faculdade armado, onde provoca uma chacina de estudantes. Entendemos que um criminoso como Cho se comportou dessa forma por perder o sentido de conviver em sociedade, não apenas por ser um imigrante numa escola americana, mas também por ser estrangeiro no sentido de estar fora do contexto e ser negado a participar do grupo de universitários por ser diferente.

Mas a moda é falar em bullying e dizer para as crianças não discriminarem seus coleguinhas. Em momento algum se repara que poderia haver tanto em Cho como em Wellington uma falta de amor do outro e, então, o que eles fazem é clamar por esse amor da forma mais brutal e absurda possível, pois o sentido desse amor para eles havia se perdido. Nesse caso, é como esses meninos gritassem para o mundo: estou aqui, me amem. Esse é o pedido da compaixão.

O desvio só se aproxima do amor pela compaixão, mas ela só se concretiza em casos de desvios justificados, o que não foi a realidade de Wellington ou de Cho-Seng-Hui. O que nunca vai se deixar de perguntar é: por que essas pessoas fizeram isso? Então, sem uma resposta, sem justificativas que faça a sociedade compreender seu ato, não há amor e muito menos compaixão.

E então, percebemos que tragédia é falta de sentido. E é esta falta de sentido que abala as estruturas sociais. Porque não há justificativas ou verdades possíveis que conseguirão mapear uma tragédia, a não ser a própria ideia de tragédia

Mesmo que as armas discursivas do senso comum fossem descartadas - o que é impossível se tratando de uma sociedade que busca se organizar pela ordem moral – o mal que embala esses crimes continuaria sem sentido, pois se trata do trágico.

Como afirma Raimond Williams em seu livro “Tragédia Moderna”, o mal absoluto que tem sido recorrente é uma autocegueira de uma cultura que não tem coragem de investigar a sua própria natureza e cria não só os atores monstruosos, mas faz o expectador arrancar seus próprios olhos com absurdos sensacionalistas.

Não se trata de julgar ou denominar a monstruosidade, essas são histórias trágicas. Na tragédia não cabe juízo de valor ou amor. Não há perdão, redenção ou explicação possível, ainda que o sujeito fure seus próprios olhos e que fique cego. Os crimes de um mal que não se explica são a pura tragédia.


por Danielle Brasiliense.