sexta-feira, 1 de junho de 2012

RIO+20: VALE À PENA VER DE NOVO?!

​          Normalmente, a partir dos comentários que faço, é comum receber algum tipo de advertência dos meus amigos sobre o cuidado que devo ter com “teorias conspiratórias”. No mais das vezes, produzo análises que parecem indicar que “procuro pelo em ovo”, lembrando de outra pessoa querida. Em conversas recentes com aqueles a quem estimo, tenho ouvido coisas do tipo: “Depois das UPP’s, São Gonçalo está muito mais perigoso”, “A violência em Niterói já superou (e muito) a do Rio”, “Até em Maricá, antes tranqüila e pacata, a coisa está feia”. Ao dizer que se trata, antes, de uma sensação, ganho olhares que poderiam indicar coisas do tipo: onde este cara está vivendo? Então, me apresso em responde: vivo no Rio.

          ​Ao longo desses últimos anos de investigação social, tenho revelado uma predileção pela forma arguta com a qual Carlo Ginzburg se debruça sobre processos que são, especialmente, históricos. Na verdade, a História parece-me particularmente importante para entender o que acontece, seja com 20 ou 120 anos, nessa República onde os direitos continua a ser para alguns. Evidentemente, quando me refiro a espaços temporais relativamente longos, não estou pasteurizando todas as idas e vindas como se o Brasil tivesse se constituído de forma linear e sem contradições. É óbvio que há uma infinidade de rupturas dentro das continuidades que observo. Mas, o que parece ser difícil de negar é que a Rio+20 representa mais um capítulo dessa luta travada em solo tupiniquim.
          Como anunciado no site oficial da Conferência, “a Rio+20 será realizada entre os dias 13 e 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro, e marcará os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92)” (www.rio20.gov.br). Talvez seja desnecessário mencionar que todo um aparato militar, mas igualmente político, começou a ser montado para que o evento ocorra com toda segurança, afinal, mais uma vez, os olhos de mundo estarão voltados para cá. Picardias à parte, quando no mesmo endereço é possível encontrar que o “objetivo da Conferência é a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável”, aí, longe de tranquilizar, o que cresce é a preocupação.

          ​Em 1992, já que a alusão à Rio-92 é explicita, tive a oportunidade de pesquisar, publicando posteriormente em Criminalidade no Rio de Janeiro (Revan, 2006), a relação entre o evento, a ação das Forças Armadas e o comprometimento dos meios de comunicação naquele processo “exitoso”. Na verdade, se tivesse uma breve amnésia e esquecesse o ano em que estou vivendo, seria possível acreditar que leio neste momento histórico o mesmo conjunto de informações produzidas nos primeiros anos da década de 1990. Com uma mudança significativa: lá se criticava abertamente o governador Leonel Brizola; aqui se elogia veladamente o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes. Ah, é claro, e o tipo de conversa que tenho com os meus amigos. Então, voltemos no tempo. Nesse primeiro momento, na curta duração.

          ​Inicialmente, voltemos a 1992. É absolutamente curioso – até hoje, ninguém conseguiu me mostrar como é possível uma mágica dessas – que os índices de criminalidade estivessem numa elevação vertiginosa até o dia 02 de junho e recuperasse a curva ascendente a partir do dia 15 junho daquele ano, com breve intervalo (com quedas igualmente vertiginosas e às vezes total ausência de crime) entre os dias 03 e 14, coincidentemente durante a Rio-92, que contou com a efetiva presença das Forças Armadas no espaço urbano carioca. Mais curioso ainda: como a ausência de crimes na Cidade Maravilhosa, que regiões figuravam nos jornais como as que “recebiam os bandidos que fugiam de um enfrentamento com o Exército? Niterói, São Gonçalo, Maricá, Itaboraí, Baixada Fluminense. Coincidência?
          O que a Rio+20 parece trazer de singular é o amálgama de duas atualizações históricas: uma do início, outra do fim do século XX. Em 2012, o que nos parece particularmente relevante é a “ótima relação” (são os chefes do Executivo municipal e estadual que assim a define) entre o governador Sérgio Peçanha e o prefeito Eduardo Passos. A primeira atualização diz respeito... Ops! Erramos os nomes ou se trata de um ato-falho? A sintomatologia dos atos-falhos pode não ajudar a entender melhor essa irrupção. A primeira atualização, então, diz respeito às já tão faladas reformas urbanas (modernização do Porto e integração de diversas regiões da cidade) de gestão do prefeito Pereira Passos – você teve a oportunidade de passear pelo centro do Rio nos últimos tempos? – com o objetivo da difusão da civilização. Paralelamente, não podemos nos esquecer do governador (presidente àquela época) do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha, que, três anos após o fim do seu mandando, tornar-se-ia presidente da República. O desejo que parece mover o atual governador do estado parece fazer com que qualquer semelhança talvez não mereça ser tratada como mera coincidência.
          A palavra civilização pode ser apresentada como uma daquelas expressões de ouro do léxico de nossas elites. Mas, de que civilização se trata? No início do século XX, com Pereira Passos, Nilo Peçanha, Rodrigues Alves, colocar o Brasil nos trilhos da modernidade era criar estratégias para impedir “aquela gente feia, mal vestida, que a mão da providência não deu um fim, que representava o atraso...” (vide Literatura como missão, de Nicolau Sevcenko). Em sua versão contemporânea, é expulsar os indesejados para fora da cena urbana, da cena política, da cena midiática. Assim, o que assistimos hoje é mais uma atualização histórica de um processo que tem início com o fim da escravidão e a instauração da República e tem se espraiado ao longo desses últimos 123 anos.

          ​Lendo a notícia no G1 de que “uma reunião realizada na quinta-feira (31/05) no Comando Militar do Leste (CML) colocou fim à crise que havia sido iniciada entre os militares e a Cúpula dos Povos depois que os organizadores do evento foram informados que parte do território no Aterro do Flamengo lhes seria retirada para possibilitar o aquartelamento de tropas e veículos do Exército e da Polícia Militar do Rio de Janeiro durante a Rio+20” (desculpe-me leitor pela reprodução um tanto extensa), tornou-se impossível não conectar 1992 e 2012 – menos pelo aniversário dos 20 anos daquela Conferência e mais pela permanência da repressão e do autoritarismo que tem orientado às ações do poder contra os comportamentos classificados como desviantes ou contra aqueles que anda não se consegue classificar.
          Se o objetivo da Conferência é de renovar o compromisso com o desenvolvimento sustentável, com respeito à natureza, à biodiversidade, ao planeta, ela é muito bem vinda. Mas, o que me deixa realmente atento é que, no Brasil, desenvolvimento sustentável pode ser ressignificado e acobertar vários eufemismos, especialmente porque nesta edição também serão contempladas “a avaliação do progresso e das lacunas na implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre o assunto e do tratamento de temas novos e emergentes” (www.rio20.gov.br). Ao longo dos anos, tenho aprendido com Jacques Lacan e Slavoj Zizek que, se há um esforço estupendo para nos convencer de que um determinado processo não é atravessado por ideologia isso é um claro sintoma de que ela está ali manifesta. Assim, me parece significativo que a Rio+20 atraia os olhos no mundo, mas não devemos fechar os nossos para ela e para o que representa.

por Wilson Borges