segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

CONHECEMOS O ALEMÃO?!

Se partirmos do seu significado, para alemão poderemos encontrar a seguinte definição no Dicionário Antônio Houaiss: como substantivo, “indivíduo natural ou habitante da República Federal da Alemanha”; como adjetivo, “pertencente ou relativo a esse indivíduo, país, língua ou povo”. Talvez por conhecimento dessas definições (ou por total desconhecimento), quando o polonês Leonard Kaczmarkiewicz adquiriu nos anos de 1920 uma faixa de terra na Serra da Misericórdia, ela passou a ser referido como “o alemão”, designando aquela extensão territorial como Morro do Alemão. Tal como acontecera com o Morro da Favela (rebatizado anos depois de Morro da Providência), nas primeiras décadas do século XX houve grande adensamento populacional na região, especialmente em função da expansão comercial e fabril da cidade do Rio de Janeiro. Apesar desse processo, não raro é tributada ao ex-governador Leonel Brizola a responsabilidade (criminosa inclusive) pela favelização carioca. No mais, o rom rom produzido pela mídia vão construindo uma espécie de simulacro da história oficial.

Nesse processo, nos parece particularmente interessante o conceito de Espaço Publidiático criado por Wilson Borges para designar as representações produzidas por meios de comunicação e tais espraiamentos para o conjunto da sociedade, isso porque não há mentira nas construções narrativas sobre o Complexo do Alemão, mas sim verdades possíveis, verdades parciais. Um claro exemplo desse tipo de operação pode ser percebido quando ouvimos, lemos ou assistimos sentenças como “os moradores queimaram pneus para ajudar aos traficantes”, “os moradores apóiam as Forças de Segurança dando água de beber, inclusive”. Ora, se o Complexo tem algo em torno de 400 mil habitantes, dizer que “os” moradores são maus porque ajudam traficantes ou são bons porque apóiam a Operação é uma simplificação que produz efeitos. Mas, tais efeitos são ingênuos? Não. Para os experts em mensurações métricas façamos uma pequena conta: será que o índice de que o disque-denúncia (que, com toda boa intenção nele ensejada, nos faz lembrar as denúncias de bruxas e de feiticeiros do medievo, cujos ecos, como nos adverte Carlo Ginzburg, parecem ainda muito presentes) registrou algo próximo de duas mil ligações, “denunciando o paradeiro de traficantes”, pode ser tomado como representativo do apoio às ações militarizadas?

Tal número (duas mil ligações) representa 0,5 por cento do universo de moradores daquela região. Mas teriam todas as ligações partido de lá? A resposta a indagações como estas parece pouco importar às reflexões mais rasas sobre todo esse imbróglio envolvendo Estado, Narcotráfico e população (aliás, a parte mais vulnerável desse processo). O que parece realmente importar é, por um lado, mostrar toda a pirotecnia (com aviões, tanques, brigadas, mapas, gráficos) das ações bélicas do Estado em contraste com traficantes fugindo. Ora, mas o que isso teria a ver com a questão do Espaço Publidiático? Nos parece que é exatamente na justa medida em que a maioria das discussões parte exatamente daquilo que apresentam os veículos de comunicação que tal cenário é reificado. Se uma parte daquela população não pode ser tomada como se todos os moradores representassem, isso talvez possa nos servir de alerta para perceber o quanto o problema tende a ser mais complexo do que nos tem sugerido um tipo de cobertura que prima por potencializar uma ideologia, suprimindo do debate as alternativas que se apresentam classificando-as, inclusive, como boatos.

2 comentários:

  1. tenho um projeto de repassar os acontecimentos e as repercussões do Feriado do Terror (a 5a e a 6a feira antes da tomada do Alemão, com as ruas da cidade totalmente esvaziadas), em documentário ou ensaio.

    queria saber se vocês têm registros, artigos ou entrevistas. material dessas datas.

    a idéia partiu do texto do Luiz Eduardo Soares, à época, se recusando a ser mais um analista de primeira hora e prevendo que a modulação histeria-apatia do carioca não permitiria um debate relevante sobre a questão, nem no momento nem depois. a questão da violência urbana não é algo que ninguém consiga elaborar de maneira sóbria no calor de acontecimentos graves; e, paradoxalmente, tampouco alguém se dispõe a discutir seriamente passado o momento de histeria.

    o doc "ônibus 174", do José Padilha, é um dos poucos que foram capazes de reabrir um caso emblemático de violência urbana no Rio. seria um marco metodológico desse trabalho.

    ResponderExcluir
  2. Vitor, estamos trabalhando em busca da memória não só desse evento, mas de marcos históricos sobre violência no Rio de janeiro. Não tenho como disponibilizar nada aqui ainda. Em breve teremos mais material.
    Boa sorte no seu projeto.

    ResponderExcluir